O Palhaço

O dia amanheceu chuvoso e frio, o que por si só já estimulava uns minutos a mais de sono. Mas, aquele cidadão já idoso, que era tentado a permanecer mais um pouco embaixo dos lençóis, não podia se dar esse direito. A labuta de todo dia lhe chamava a cumprir suas obrigações. Mesmo com o passar dos anos, ainda se fazia necessária. Como é com outros tantos trabalhadores.

 

Só que ele não era um trabalhador comum. Nem seu trabalho era comum. Aliás, muitos, na verdade, nem consideram que seja um trabalho, mas é! Acho até que o melhor de todos os trabalhos. Só que sem direito a folgas, sem direito a lágrimas, sem direito a adoecer, nem mesmo ficar triste, por mais tristeza que possa sentir. Mas, apesar de todas as adversidades e condições, ele se pôs de pé e saiu para mais um dia de trabalho.

 

Com andar vagaroso de quem já correu muito, ele seguiu calmamente até chegar em seu pequeno camarim. Sim, aquele velho cidadão era um artista! Mas não um artista qualquer, ele era o verdadeiro artista. Calmamente, como tudo que ele fazia, trocou sua roupa de cidadão comum e vestiu o seu figurino de cores vivas e alegres. Nada condizente com toda aquela melancolia estampada em seu rosto.

 

Os cabelos esbranquiçados, o olhar cansado, o rosto marcado, aos poucos iam se transformando em frente ao velho espelho. Cada cor pintada em sua face tinha o poder de rejuvenecê-lo e dar um novo brilho ao seu olhar. Na ponta do nariz enrugado, uma bola vermelha, nos pés, um par de enormes sapatos e sob os cabelos esbranquiçados, uma embaraçada peruca. E refletido no espelho, um enorme sorriso. Um riso de quem irradia felicidade.

 

Então, ele adentrou ao picadeiro, lépido e fagueiro como quem tem uma juventude eterna, meio que destrambelhado, com toda certeza, propositada-mente, pois, sabia que as gargalhadas não demorariam a encher todo o ambiente. E dito e feito. Não demorou muito para que o único som ouvido fosse o som de enormes gargalhadas, sem composturas e desavergonhadas. Pareciam todos, crianças inocentes. Ah, como foi bom!

 

Saciados de felicidades, todos que gargalhavam, deixavam o local com as almas lavadas, ávidos para retornarem o mais breve possível. Enquanto do outro lado, no pequeno camarim, em frente ao velho espelho, quem fez a alegria de tantos, se desfazia do figurino, da maquiagem, e da alegria e voltava a sua vida comum.