Sejamos Contemporâneos

Tô cansado de ficar dando murro em ponta de faca. Cansado de me estressar com coisas insignificantes. Cansado de ficar indignado com os meios de comunicação e com o meio artístico. Resolvi dar uma trégua para isso, afinal de contas, tá tudo muito bom.
Pra que vamos perder tempo lendo Shakespeare, Kerouac, Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa, Machado de Assis?... Tudo isso é bobagem. São escritores insignificantes e que não têm nada a dizer. Vamos ler Caras, Contigo, Minha Novela, os livros do Paulo Coelho... Vamos nos deliciar no banheiro com os relatos eróticos da Bruna Surfistinha. É muito mais legal e útil.

Por que ouvir Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim?... Esses não entendem nada e suas músicas não passam de pura punhetagem. É muito mais divertido ouvir a Tati Quebra-Barraco (aliás, alguém sabe o seu paradeiro?) cantando: “eu vou bater uma siririca e gozar na tua cara...”, montar na éguinha pocotó junto com a Lacraia, ver o MC Creu (nem sei se é isso) em sua performance brilhante nas cinco velocidades do créu, créu, créu, créu, créu, créu... É a música mais criativa que já ouvi. De verdade. Tem muita profundidade essa letra, digna de um Grammy.

Vou perder meu tempo assistindo a programas de TV como o Café Filosófico, Nossa Língua, Tecendo o Saber, que entram no ar altas horas da madrugada, se posso assistir Casos de Família, Márcia Goldzsmit, Superpop, Big Brother Brasil?

Sou fanático por novela. Ainda bem que Janete Clair, Bráulio Pedroso, Dias Gomes, Ivani Ribeiro, Cassiano Gabus Mendes já morreram e não nos incomodam mais com aquelas merdas que escreviam. As novelas de agora são muito mais criativas; o primeiro bloco da novela das seis é igual ao segundo bloco da novela das sete e igual ao terceiro bloco da novela das nove, e todas têm mais de 200 capítulos. Posso deixar de ver 50 capítulos que quando voltar a assistir, vou saber tudo o que aconteceu. Olha que genialidade dos roteiristas?
Genialidade maior que essa, é ver determinados personagens acendendo o fogão com os fósforos da Fiat Lux, lavando louça com detergente Ypê, virando revendedores da Avon, ou induzindo outros personagens a fazerem um 21. Isso não é só merschandising, não. É a teledramaturgia contemporânea. A TV não é um comércio? Pois então. Tem que vender seus produtos. Não concordam?

E no teatro então? Eu quero ir pra dar risada, porque de tragédia basta a minha vida. Chega de Senhora dos Afogados (nas versões de Antunes Filho, Zé Henrique de Paula e a futura montagem do Zé Celso), Vestido de Noiva, 17x Nelson – porque insistem em montar as
peças dele?... Chega de Otelo, Hamlet, A Megera Domada – Credo! Quantas montagens de Shakespeare. Vamos ver coisas mais interessantes. Tem muita peça boa em cartaz. Só olhar nos guias e escolher...

Ser contemporâneo é aceitar, sem reclamar, aquilo que te oferecem, seja na literatura, na música, na televisão, no teatro, na política... Ser contemporâneo é chegar no 3º ano do Ensino Médio e não saber escrever o seu próprio nome... Ser contemporâneo é ver o mundo desabando na sua cabeça e não fazer porra nenhuma. Ser contemporâneo é deixar o seu lado HUMANO para se transformar numa MÁQUINA que não pode verter lágrimas para não enferrujar. Ser contemporâneo é se deparar com alguém tendo um enfarto na rua e sair correndo sem prestar socorro. Ser contemporâneo é se enfiar na política, roubar dinheiro público e se safar da prisão enquanto um pobre coitado, morto de fome, rouba uma margarina no supermercado e recebe a pena máxima. Ser contemporâneo é jogar uma criança do 6º andar. Ser contemporâneo é obrigar uma criança de 7 anos a chupar seu pau, gravar essa cena e depois jogá-la na internet. Ser contemporâneo é esquartejar os pais, os irmãos e ir ao cinema metralhar a platéia. Ser contemporâneo é acordar às 4 da manhã, pegar trem, metrô, lotação para chegar no trabalho às 8, ralar o dia todo e chegar em casa às 22 horas para no dia seguinte começar tudo de novo e receber, por todo esse sacrifício, um salário de merda.

Ah!!!! Como é triste se sentir deslocado... Como é triste ter opinião contrária da maioria das pessoas. Como é triste sentir-se como um beija-flor que, sozinho, tenta apagar um incêndio... Como é triste ser um apocalíptico e não um integrado. Como é triste ir contra um sistema. Como é triste saber que os grandes heróis da Humanidade foram mortos. E pior: como é triste saber que nasci na época errada.